Réu no massacre, soldado da Rota está preso desde 93 por matar travestis

Em janeiro de 1993, numa quente madrugada do verão paulistano, o jovem travesti Vanessa, “bate o ponto” em sua esquina de sempre, uma travessa próxima à Avenida do Estado, na região do Ipiranga, zona Sul. Logo nas primeiras horas daquele dia, um carro para. Ao se dirigir ao suposto programa, recebe um tiro na cabeça, cai morta por ali mesmo. O ano de 1993 era de trauma para os homens que escolherem a vida de virar mulher na noite de São Paulo. Dezesseis já haviam sido mortos até o começo do mês de março. A situação só mudou na noite-madrugada de 14 de março de 1993. Naquela quarta-feira, os irmãos Jaime, de 24 anos, e Reginaldo Felix da Silva, 22, na companhia de José Wilson da Silva, o Valéria, 30, disputavam clientes na escura Avenida Ermano Marchetti, na Lapa, zona Oeste. A via é paralela à pista lateral da Marginal Tietê, mas é deserta no período noturno.

Talvez por isso suas esquinas sejam um ponto conhecido daqueles que procuram aventuras no submundo da capital. No início da madrugada Reginaldo consegue um programa, um carro para e alguém o convida à entrar. Anda poucos metros e para numa outra rua deserta da Lapa, a Rua Emilio Goeldi. Reginaldo levou um tiro no rosto que acertou um de seus olhos, morreu ali mesmo. O motorista voltou para a Avenida Ermano Marchetti e sem perceber que minutos antes seu irmão tinha entrado no mesmo veiculo, Jaime, conhecido como Vilma, também teve seu destino traçado na escuridão da Lapa. Nem chegou a entrar no carro, além de um tiro no olho, teve seu membro sexual amputado pelo maníaco. travesti

Lá pelas tantas da madrugada, o homem voltou à região da concentração de travestis na Ermano Marchetti. Desta vez passou, parou e, sem pestanejar, acertou o rosto de José Wilson da Silva, o Valéria, que morreu instantaneamente. Na execução de Valéria, o serial-killer descuidou-se; junto ao travesti, mais três faziam ponto naquele local. Anotaram a placa, a cor bege e o modelo do carro. A Polícia Civil de São Paulo procurava o responsável pela chacina da madrugada do dia 14 de março, mas não tinha pistas. Dias depois, os três travestis procuraram a delegacia da região, e munidos dos dados que tinham, levantou-se o proprietário do fusca bege. Para o espanto dos presentes na delegacia, o fusca estava em nome de Cirineu Carlos Letang, 29 anos, soldado lotado no 1º Batalhão de Choque, as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a Rota. Para seus companheiros, um policial exemplar, em sua ficha não constava nada que o desabonasse. Cirineu foi preso e levado às dependências da Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), em 24 de março de 1993. Entrou na corporação em 1985 e tinha outro marco em sua vida militar; ele era um dos 29 homens da Rota que invadiram o terceiro andar do pavilhão 9, cinco meses antes da chacina dos três travestis. Cirineu e sua tropa mataram 77 dos 111 presos executados no conhecido Massacre do Carandiru.

Conduzido ao presídio militar, os jornais da época publicaram que por coincidência ou não, as mortes de travestis que pipocavam na crônica noturna de São Paulo tiveram uma drástica queda após o encarceramento do acusado. Exatamente dois anos após as mortes, em 15 de março de 1995, o “Matador de Travestis” como ficou conhecido foi condenado a 44 anos e 4 meses em regime fechado pela execução de três travestis. No juri eram declamados seis casos de sua autoria, mas foi absolvido em três. O “Matador de Travestis” cumpriu 18 anos nas celas do Presídio Militar Romão Gomes, no Horto, zona Norte, e só ganhou a liberdade por bom comportamento, em 16 de março de 2011, com 47 anos de idade. Mesmo o infinito tempo recluso, não regenerou o ex-PM, demitido em janeiro de 2002. 

travesti (1)Na noite de 26 de maio, 71 dias após sua libertação do cárcere, retornou ao bairro da zona Oeste, desta vez, a Barra Funda, e executou com um tiro na cabeça o travesti Alisson Pereira, 25 anos, na Rua Edgar Teotônio Santana, próximo ao Parque Industrial Tomas Edson. Segundo a polícia, Cirineu teria pagado um programa de R$ 40 com uma nota de R$ 50. Alisson, conhecido como Camila Close, não teria troco. Levou um tiro de revólver calibre 38. O assassino fugiu em uma moto Twister vermelha. Assim como nos outros casos, Alisson morreu no local. Vindo do Estado do Maranhão, o rapaz tinha o sonho de conhecer a Europa.

Cirineu Carlos Letang foi novamente preso em 30 de novembro, após investigação da Polícia Civil, que assim que soube que ele havia sido libertado da prisão o considerava como o principal suspeito pelos ataques contra travestis. No dia 1º de dezembro foi conduzido a seu fiel companheiro de 18 anos, o presídio Romão Gomes.