Relembre o Massacre do Carandiru. Parte I: A manhã do dia 2

Dois de outubro de 1992, sexta-feira, véspera de eleições municipais em São Paulo. Próximo das 11h, o então diretor geral da Casa de Detenção Flamínio Fávero, Ismael Pedrosa recebia novos inquilinos. Ditava às regras, o que se podia e o que não se podia fazer no ambiente. Naquele momento, fora das salas de palestra, o pátio do Pavilhão 9 estava tomado de detentos. Próximo, dois “moradores” acertavam as contas de uma desavença iniciada semanas antes. Segundo publicação da Revista Já, de 27 de setembro de 1998, do extinto jornal Diário Popular, quatro meses antes, Antônio do Nascimento, o Barba, à época, com 36 anos, condenado por latrocínio (roubo seguido de morte) fora avisado por Luís Tavares, o Coelho, 23, que sua “mulher” – ou seja, seu parceiro sexual passivo era um estuprador. A acusação era gravíssima, pois presos não toleram crimes sexuais.

Um briga que só envolvia duas pessoas, acabou ecoando pelos quatro cantos da penitenciária quando na manhã daquela sexta-feira, Barba resolveu acertar sua diferença com o desafeto e, deu-lhe um soco no rosto. O agredido não poderia deixar barato, perderia o respeito daqueles que considerava seus aliados. A notícia do início da briga correu rápido pelas galerias do pavilhão 9; a confusão poderia encerrar a entediante vida de 7 mil homens. Vendo a movimentação intensa no pavilhão, Pedrosa, diretor experiente, não se desesperou, sabia que podia resolver a situação na base da conversa. Nem deu tempo de negociar. Pouco antes das 13h40, policiais do batalhão vizinho ao Complexo do Carandiru já estavam posicionados no portão principal.

No Pavilhão 9, a briga já terminara e os presidiários, que pelas frestas viam a movimentação dos familiares e o grande contingente policial preparavam a abertura dos cadeados trancados horas antes. O medo dos 2.069 presos da ala era uma invasão da Tropa de Choque. Às 15h30, 345 PM´s aguardavam ordens do coronel Ubiratan; tenentes-coronéis das unidades e seus soldados, sendo 51 homens do 1º Batalhão de Choque, a Rota, mais 125 policiais do 2º Batalhão, responsável por praças esportivas e mais 74 PM´s e 13 cães do 3º Batalhão encerram a Tropa de Choque. Havia ainda, mais 25 homens do Grupo de Ações Táticas Especiais, o GATE, além de 16 policiais do Comando de Operações Especiais da PM, o COE, grupo de elite especializado em atuar em ambientes fechados ou de extrema dificuldade, como matas ou morros.

Segundo fontes da época, a maioria dos policiais estavam apavorados, muitos debutavam em um motim, diziam que os presidiários tinham armas e principalmente seringas com sangue infectado com o vírus HIV. Do outro lado, para dificultar a entrada da tropa, armaram uma barricada no pátio. Jogaram óleo de cozinha nos degraus. Enquanto Pedrosa conversava via megafone com os presos, o então secretário de Segurança Pública Pedro Campos retransmitia ao coronel Ubiratan a ordem do então governador Luiz Antônio Fleury, que almoçava na cidade de Sorocaba, interior paulista. “Vocês tem autorização do governador Fleury para entrar”. Ali começava a maior operação em presídios da história brasileira.